sexta-feira, 26 de março de 2010

O passado

Apetecia-me descobrir alguém de quem gostasse realmente, assim à primeira, sem dúvidas nem incertezas. Um olhar cúmplice de uma quase desconhecida, sem pequenos tiques que me afastem sem saber e que só percebo no dia seguinte, quando prefiro estar sozinho.
Estás preso ao passado e, eu a concordar com cada palavra e a inventar outras. Tens medo de arriscar e ouvi dizer que quem não arrisca não petisca.
Preso à imagem do meu avô, de boina ao sol, encostado à parede da casa que hoje vive sozinha num silêncio que me magoa. Às vezes passo lá, sem ninguém saber. Estaciono o carro e fico ali uns minutos a recordar como aquilo era e, acabo sempre por sentir que ele está ali comigo. Depois ainda segue comigo no carro, em silêncio, até que desaparece e eu sozinho de novo.
E o meu primeiro beijo a sério, naquelas escadas da praia numa noite fria de inverno, que usei como desculpa para os meus tremores que só pararam depois do terceiro e de um abraço. Acho que tremi de todas as vezes que beijei alguém de quem gostava mesmo pela primeira vez. Vi-a há uns anos atrás, tão diferente, o mesmo sorriso, a mesma voz, mas um olhar tão desconhecido que não me deixou reconhecê-la.
O dia em que fui para o hospital com uma tampa na garganta e o amor que senti da minha família que me acompanhou assustada. No meio de tanto pensamento fúnebre e dos tablóides póstumos que imaginei, que bom que foi sentir o medo deles em me perder.
A primeira prova que ganhei, em Montemor, numa piscina colorida que ainda hoje lá está. Agora passo lá de carro e parece que estou um bocadinho em casa, dentro dos muros que escondem a água em que depois desse dia não me lembro de ter nadado.
A primeira surfada, em São Torpes, com as barbatanas de caça submarina e a suntalon amarela a defenderem-me do medo que senti. Escondi-o de todos e ninguém reparou, mas o medo, esse eu não esqueço, estou preso a ele e acho que ele me defende.
Estás preso ao passado e, eu a pensar no primeiro dia sozinho em Lisboa e nas lágrimas que caíram quando me fui deitar naquela noite.
Aquela mão na minha perna, naquela estranha madrugada de natal em que o pai natal disfarçado de cúpido, a aproximou de mim para nunca mais sair.
Estou preso ao passado e tu estás presa a quê? A nada se calhar, que há pessoas que não querem sentir que se lembram das coisas que magoam.
É estranho tudo isto. Esqueço-me de tantas coisas e outras estão comigo a toda a hora. Não têm tempo nem espaço, apenas existem e não se esquecem. Logo tu a dizeres isso. Tu, de quem gostei não sei se à primeira, mas de certeza que à segunda, sem dúvidas nas certezas que me disseram que queria estar contigo no dia seguinte, sem pequenos nem grandes tiques, que me pudessem levar a querer estar sozinho amanhã.

1 comentário:

Borboleta com Asas disse...

Adorei muito o teu texto...muito ...mesmo...Bruno... sou a Alicia

também tenho um blogue...voando com asas"""