segunda-feira, 22 de março de 2010

O tempo

Há que tempos que não nado. Uma relação tão longa e hoje está assim, quase apagada pelo tempo que entretanto passou. Lembro-me tão bem do fim, naquela piscina de Loulé em que perdi pela primeira vez a minha prova para outro. O cansaço de tantos anos e a vinda para Lisboa afastaram-me de ti quando percebi que foi por egoísmo meu que durámos tanto. Egoísmo ou carência que precisava de ego cheio, as duas tão tenuemente ligadas e no entanto tão diferentes, uma ignorada, a outra escondida pela tua presença constante que me ia preenchendo os vazios sentimentais. Que a natação não eram só as vitórias e o respeito e admiração de alguns, eram os amigos, os amores, as viagens e as histórias que se haviam criado e que prometiam ainda mais. Estávamos ali todos os dias, às vezes de manhã e à noite, enfiados dentro de água com o som constante do bater de pés daqueles vinte ou trinta adolescentes, de hormonas felizmente acalmadas pelo cansaço dos quilómetros que nadávamos. Formávamos uma corrente dentro de água e, às vezes, para descansar, deixava-me ir sem fazer força, aproveitando o ciclo que se criava com o constante movimento da minha equipa. Ali estávamos num mundo à parte, só nosso, as regras de fora pouco contavam. O respeito era para ser conquistado e os queixinhas eram eternamente lembrados como bufos, incapazes de se defenderem sozinhos e, a pouco e pouco, excluídos. O medo confundia-se com o respeito e com a amizade de alguém que de repente, sem nada em troca, nos defendia de outros e nos aprovava o respeito que fazia tudo funcionar.
Aquele baloiço em Estremoz, aquela carta da miúda mais gira da outra equipa, aquele beijo nas escadas da praia, as mãos entrelaçadas no escuro da carrinha em viagens que eu não queria que terminassem. Ainda hoje as viagens de volta me parecem sempre mais curtas que as de ida, ainda hoje sinto o cheiro a cloro de vez em quando. Lá na piscina do ginásio não usam cloro, devem meter outro produto qualquer e aquilo nem me parece uma piscina, não cheira, não sabe e não tenho a minha equipa a fazer-me deslizar na corrente que criámos. Alguns não os vejo há anos, desapareceram, de vez em quando alguém que os vê, às vezes um reencontro inesperado, mas doze anos depois tudo tão diferente, os sentimentos vazios, a estranheza de uma pessoa que já não sabemos se é a mesma sequer, sem saber se nós próprios somos os mesmos e, um virar de costas com promessas de um jantar, de um reencontro que preferimos idealizar que realizar, talvez com medo de descobrir que nos tornámos todos tão diferentes.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois é brother. Os anos passam e o pessoal muda mas uma coisa vamos ter para sempre: as lembranças daqueles bons velhos tempos!

João Mestre.

Anónimo disse...

Afinal as redes sociais têm algo que realmente bom. Redescobrir velhos conhecidos e amigos, e, pista a pista, saber que eles viveram, que eles recordam e sentem saudades de coisas tão familiares que parecem as nossas. Cá vim eu espreitar o teu blog que, à primeira vista, bom, merece uma segunda, terceira ou mais vistas. E engraçado ter "esbarrado" com este post, que me trouxe, de uma forma bastante vívida, as mesmas recordações que evocas. Isto de se ter um dia de diferença na data de nascimento pode causar coisas destas... E, agarrando na tua primeira frase, eu nadei, pela primeira vez em alguns anos, na última sexta-feira. E nadar 1000 metros (surpreendentemente em menos tempos do que contava)foi como projectar no fundo da piscina todo um filme com imagens semelhantes às que descreves. E mais algumas dúvidas, das quais destaco duas: o eterno "what if" e se os jovens atletas ali a nadar ao lado também criarão memórias como as nossas, e se as sentirão com tanto carinho. Depois, no balneário, tive de me sentar um bocadinho, porque me sentia realmente mal...Até daqui a dez anos, piscina! Um grande abraço, Bruno, continua a escrever, que ganhaste mais um leitor!

Pedro Cravo

Bruno Leal disse...

Pedro,
Sim, é verdade, as redes sociais têm destas coisas...
Obrigado pelo elogio aos meus escritos.
Pois é, as recordações às vezes vêm à tona ao ler ou ao ouvir algo que nos é familiar. Há quem lhes chame saudosismos, mas a mim sabem-me tão bem de vez em quando...
Grande abraço!