Podemos estar o dia inteiro sentados, à espera de uma nossa
senhora qualquer, ou de um Sebastião que chegue numa neblina matinal, de braços
cruzados e queixumes numa surdina em que mais parece que nada se diz. Dia após
dia, de pés bem assentes na terra, que isso dos sonhos é coisa de loucos e só
traz desilusões. E, numa espécie de asco que toda a gente humana expele de vez
em quando, num tossir que mais parece um,
- Ladrões!
Esvaziamos o saco que vai enchendo, fechamos a porta, ligamos a TV e esquecemos tudo, afinal para quê vivermos com rancores dentro nós? E imaginamos uma personagem de bigode empoleirado num megafone antigo, de calças à boca-de-sino e camisola de gola alta, que faz da sua vida um protesto, que há-de acabar numa reforma antecipada pelo tempo que lhe roubaram as vitórias dos maus sobre os bons. E agora, aos 60, ainda o vemos por entre os jovens que de vez em quando se unem, por uma causa que lhe é familiar em tanta coisa,
- A luta continua! A luta continua!
A merda da luta que parece não ter fim… E as imagens pesam tanto que às vezes se torna impossível ignorá-las. Instalam-se e crescem de tal forma, que só vemos um bigode empoleirado num megafone espumado e nem um sinal do Sebastião, ou de uma senhora que surja a uns pastorinhos quaisquer, nem sombra de um herói que nos aponte um caminho desbastado, no qual se consiga ver uma luz ao fundo deste túnel escuro pelo qual tacteamos, à procura do caminho certo por entre tantas bifurcações, que no fim, tudo se parece esgotar num jogo da cabra cega sem nenhuma entidade divina que nos valha.
- A culpa é dos políticos!
- A culpa é desses mandriões que vivem à custa do estado…
Parece que não sabem que a culpa em Portugal nunca é de ninguém, que acabamos sempre por dar de um lado e tirar do outro, enquanto cruzamos a generosidade com o maldizer, a inveja com a felicidade, o ser pequeno mas ser único…
- Se deus quiser há-de correr tudo bem!
Cá para mim podem esperar sentados pela omni-ausência de alguém, porque eu prefiro a realidade à ilusão e então respondo sempre na mesma moeda,
- E se deus não quiser? E se nem sequer tiver opinião sobre o assunto e lhe forem completamente estranhos os nossos problemas?
E as pessoas riem-se
- Coitado…
Mais um que se alimenta da própria alma em vez do corpo de deus, servido gratuitamente em forma de hóstias na paróquia mais perto de si, que isso da fome só bate à porta de quem não tem fé.
E falamos à boca cheia da justiça e da injustiça da vida e de como tudo deveria ser. Clamamos por igualdade e solidariedade, mas à segunda deixamos o filho mais novo no colégio, que o mais velho já vai de carro para a faculdade privada, sem que sejamos capazes de pensar na contradição entre as palavras e os actos. Sem que consigamos perceber que a igualdade se esgota na própria condição do ser humano e, que afinal depositamos na humanidade uma esperança infundada.
- Vamos honrar os nossos compromissos!
Numa caravela milenar, à deriva num mar cheio de adamastores que guardam o fim do mundo que há-de ser uma queda de água para o infinito, ou para a boca dentada de um monstro escabroso, quando afinal estamos sentados em casa, de mãos atadas e olhos vendados enquanto deixamos que nos levem tudo.
- Isto queria era um novo salazar!
E no meio disto tudo, confesso que o que mais me assusta é saber que o medo pode cegar as pessoas…
- Ladrões!
Esvaziamos o saco que vai enchendo, fechamos a porta, ligamos a TV e esquecemos tudo, afinal para quê vivermos com rancores dentro nós? E imaginamos uma personagem de bigode empoleirado num megafone antigo, de calças à boca-de-sino e camisola de gola alta, que faz da sua vida um protesto, que há-de acabar numa reforma antecipada pelo tempo que lhe roubaram as vitórias dos maus sobre os bons. E agora, aos 60, ainda o vemos por entre os jovens que de vez em quando se unem, por uma causa que lhe é familiar em tanta coisa,
- A luta continua! A luta continua!
A merda da luta que parece não ter fim… E as imagens pesam tanto que às vezes se torna impossível ignorá-las. Instalam-se e crescem de tal forma, que só vemos um bigode empoleirado num megafone espumado e nem um sinal do Sebastião, ou de uma senhora que surja a uns pastorinhos quaisquer, nem sombra de um herói que nos aponte um caminho desbastado, no qual se consiga ver uma luz ao fundo deste túnel escuro pelo qual tacteamos, à procura do caminho certo por entre tantas bifurcações, que no fim, tudo se parece esgotar num jogo da cabra cega sem nenhuma entidade divina que nos valha.
- A culpa é dos políticos!
- A culpa é desses mandriões que vivem à custa do estado…
Parece que não sabem que a culpa em Portugal nunca é de ninguém, que acabamos sempre por dar de um lado e tirar do outro, enquanto cruzamos a generosidade com o maldizer, a inveja com a felicidade, o ser pequeno mas ser único…
- Se deus quiser há-de correr tudo bem!
Cá para mim podem esperar sentados pela omni-ausência de alguém, porque eu prefiro a realidade à ilusão e então respondo sempre na mesma moeda,
- E se deus não quiser? E se nem sequer tiver opinião sobre o assunto e lhe forem completamente estranhos os nossos problemas?
E as pessoas riem-se
- Coitado…
Mais um que se alimenta da própria alma em vez do corpo de deus, servido gratuitamente em forma de hóstias na paróquia mais perto de si, que isso da fome só bate à porta de quem não tem fé.
E falamos à boca cheia da justiça e da injustiça da vida e de como tudo deveria ser. Clamamos por igualdade e solidariedade, mas à segunda deixamos o filho mais novo no colégio, que o mais velho já vai de carro para a faculdade privada, sem que sejamos capazes de pensar na contradição entre as palavras e os actos. Sem que consigamos perceber que a igualdade se esgota na própria condição do ser humano e, que afinal depositamos na humanidade uma esperança infundada.
- Vamos honrar os nossos compromissos!
Numa caravela milenar, à deriva num mar cheio de adamastores que guardam o fim do mundo que há-de ser uma queda de água para o infinito, ou para a boca dentada de um monstro escabroso, quando afinal estamos sentados em casa, de mãos atadas e olhos vendados enquanto deixamos que nos levem tudo.
- Isto queria era um novo salazar!
E no meio disto tudo, confesso que o que mais me assusta é saber que o medo pode cegar as pessoas…