terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A casa


Sentado na mesa redonda da sala que tomei como minha, há 2 anos e pouco mais de um mês, consigo ver tudo para a frente e quase tudo para trás.
Nos primeiros dias, eu sozinho, esmagado entre as 4 paredes deste rectângulo, que agora me abraça com experiências e memórias de dois anos marcantes na minha vida. Lembro-me da primeira noite que aqui dormi. Fez-me bem a solidão nessa altura, ainda hoje me faz. Por motivos diferentes é verdade, porque afinal de contas, há alturas em que apenas conseguimos lamber as feridas, alturas breves, esperamos todos. A minha, resolveu-se por insistência e, talvez por reconhecimento à minha audácia, fiz uma amiga. E tão bom que é ter amigos!
Por aqui têm passado muitos, nesta sala de alcatifa vermelha e escadas em caracol para o sótão do xico, que às vezes é kiko, em conversas intermináveis e confissões inesperadas, tantas vezes desconfortavelmente doces, seguidas de sorrisos e palavras apaziguadoras de qualquer embaraço. Não gostei dela quando a vi pela primeira vez, foi um daqueles casos em que primeiro se estranha e depois se entranha, tudo assim, entre amigos, em casa. Pelo meio tantas histórias, não sei se sou eu que as invento ou se elas aparecem por vontade própria, mas tantas, algumas em memórias dispersas, outras bem nítidas e eternas em mim. Tenho 30 anos, vou fazer 31 e, afinal o que é isto da idade? Eu continuo a sentir-me uma criança neste corpo de homem, quero ir para a rua brincar com os amigos, jogar ao bate-pé e à bota, esconder-me ao som da contagem decrescente de um amigo, talvez uma amiga no quarto escuro. Vou levar para a cova o arrependimento de não ter iniciado mais quartos escuros na infância, isso sei que vou. Mas daqui vejo tudo para a frente, já para trás, talvez haja coisas que possa apagar...
Este é um daqueles textos que sabe bem escrever, ao som de Ella Fitzgerald e de Louis Armstrong, de frente para a sala que me acolhe a mim todos os dias, que nos acolhe a todos aqui na Afonso III. O pior é depois, que afinal é para a frente que não vejo tudo, porque para trás afinal ainda consigo e vocês estão cá todos comigo. De vez em quando eu sozinho, de phones nos ouvidos a escrever estas coisas e vocês por aqui sem que eu vos veja, sob esta alcatifa encarnada a encastrar as escadas em caracol que dão para o sotão do xico, que às vezes é kiko. De vez em quando uma música, uma frase que só nós entendemos, aqui, na nossa casa da Afonso III.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Gosto muito de ti!

Gosto muito de ti.
E esta frase repetidamente escondida dentro de mim. Talvez pelos olhos tu a sejas capaz de ouvir, mas mais ninguém de certeza. Falemos de mim desta vez, que já chega de falar de ti e dos outros. Já não basta encarnar a pele dos outros e escrever por aí. Falemos de mim que assim talvez consiga ajudar quem eu quero. Desta vez, só desta vez, não vou ser egoísta e vou abrir-me para te fechar da dor que julgas ser pior do que aquilo que ela realmente é.
Disseste-me que ias falar com ele porque uma mulher não devia afastar dois amigos. E eu, que procuro em quase tudo algo mágico, concordei contigo. Falar faz bem quando se tem coragem para dizer tudo, por isso não guardes nada para ti e fala como a pessoa pura que és. Eu não, eu sou tudo menos puro e conheço poucos como tu e também por isso gosto de ti, como te escrevi naquela noite em que senti que precisavas de o saber. Nunca gostei de dar conselhos sem que mos peçam, talvez por achar que apenas nós próprios temos todos os dados que nos permitem resolver o problema que somos nós, mas isso sou eu, que guardo coisas só para mim, que sofro sozinho e tomo por minhas coisas que são de outros também. Tu não és assim que eu sei, tu pedes-me conselhos porque não tens nada a esconder, porque para ti eu posso de alguma forma ajudar-te a entender a merda de sentimentos em que por vezes mergulhamos. Felizmente não os pedes só a mim, felizmente não te faltam amigos como te faltam outras coisas, mas pelos outros não posso falar, apenas por mim e mais ninguém. Quando te disse para guardares para ti aquilo que sentes, disse-o por achar que talvez não fosses capaz de o fazer, por achar que serás sempre como um irmão mais novo que nunca tive e a quem eu tenho de dar orientações, esperando continuar útil a ponto de me obrigares a segurar-te pelos ombros e a rodar-te no caminho certo, que nem eu sei ao certo qual é. Mas é isso mesmo que deves fazer, sofrer para ti e partilhar apenas com aqueles que sabes que gostam de ti, porque as nossas fraquezas já nos dificultam tanto a vida que não vale a pena desconhecidos saberem delas. Comigo sempre resultou tentar guardar apenas as coisas boas e esquecer as más, tentar mostrar que estou bem, mesmo sabendo que todos os meus amigos sentiam o contrário. Talvez contigo não resulte, afinal somos tão diferentes um do outro, tu tão puro e transparente, e eu tão complicado e tão difícil de entender. Talvez nada do que eu diga resulte contigo, como resulta comigo, mas o que te disse é o que sinto, sem nada escondido, sem nada na manga para jogar no fim. Fala com o teu amigo, guarda a dor que possas sentir para quem gosta de ti, continua puro para quem te merece assim e, um dia vais perceber que alguém que te ama, nunca iria permitir que perdesses um amigo por causa dela, porque aí seriam os dois a perder. Ah! E só mais uma coisa,
gosto muito de ti!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Não sei por onde começar. Se pela ponta, se pelo fim, se pelo meio a arrepiar caminho, se devagar, esperando que digiras suavemente cada palavra, cada gesto, cada olhar. Queria assim, devagarinho, mas sei que vai ser rápida e bruscamente que vou deixar escapar o que te quero dizer, tal libertação heróica da verdade, das teias da mentira e do medo. Olha, traz uma faca, algo que corte bem que isso pode ser preciso. Se te apetece ajudar-me e depois não consegues, vais-te sentir mal e isso eu não quero, por isso traz algo que corte que eu prometo que não tenho medo. No outro dia, eu sei, não te pedi nada disto porque pensei que tinha o canivete que ganhei aqui no Vitor, mas afinal perdi-o sem saber como, sem saber onde, ainda sentia o peso dele no meu bolso, mas quando lá pus a mão, à tua frente sem que reparasses, já lá não estava. Talvez acabe por salvar outro, pensei eu na altura. Agora não levo nada para não haver surpresas, vou de mãos abertas e logo se vê o que acontece. Sempre gostei das coisas assim e por muito que inconscientemente crie expectativas, espero sempre que aconteça algo diferente daquilo que idealizo. Sempre fui fascinado por coisas inesperadas, atípicas, que nos fazem rever todo o nosso comportamento e muitos dos nossos objectivos e expectativas. Mais vale esperar para ver como isto corre, talvez eu ache a ponta e resolva dizer a verdade, assim, devagar, para que  possas entender aquilo que eu sei e, aquilo que nem eu sei. E não tragas a faca afinal, vem como eu, de mãos abertas e sem medo de me ouvir.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Deixem-nos assim

Um dia conto-vos toda a verdade.
Até lá vou guardá-la comigo, escondida no meu casaco, debaixo da almofada, no porta-bagagem do carro, no meu pensamento, nos meus olhos sempre que me sinto a hesitar.
Nem me apetece falar da verdade, talvez por isso escreva, não quero saber disso, mintam-me à vontade que assim sou mais feliz. Deixem-me ser um leigo, desprovido de qualquer realismo sofrível, imune a qualquer putrefacto odor de mais uma dessas histórias. Guardo-a só para mim, porque não o fazem também vocês?
Deixem-nos assim como estamos, sem mais pormenores, sem mais histórias mal contadas, ou meio contadas, em mantas de retalhos que se revelam quase sempre piores do que a anterior de que tanto nos queixávamos.
Esqueçam de uma vez por todas que existimos que nós vamos tentar fazer o mesmo, eu, já o faço e não pretendo voltar atrás na minha decisão. Guardem essas coisas para vocês e contem-nas uns aos outros, como as crianças fazem em relação às namoradas que vão coleccionando em forma de fotografias num placard de cortiça na parede do quarto. Guardem as escutas, as censuras, as demissões, as nomeações, as sanções e deixem-nos viver na escuridão da ignorância, mais vale assim. A ignorância é felicidade, suponho que já terão ouvido esta, mas agora nem isso podemos ser que vocês não deixam, que nós não nos deixamos.
E eu aqui, sem saber em quem acreditar e já sem acreditar em ninguém, sem referências, sem exemplos a seguir, perdido no mar turbulento da minha mente, por minha conta e risco neste mundo de mentiras que são verdades, de verdades que não passam de um punhado de falsidades. Resta-me a mim e a amizade e o amor dos amigos e da família e, talvez uma ou outra alma caridosa, quem sabe um exemplo, uma referência de que tanto precisamos para seguir em frente sem que antes tenhamos que recuar drasticamente.