quarta-feira, 13 de abril de 2011

os monstros

Por entre os 2 cortinados que me protegiam da luz da rua, espreitava um monstro com a cabeça do filho de um casal amigo dos meus pais.

- Mamã, não quero dormir sozinho!

Quando temos medo regressamos a casa e tentamos quase sempre manter as coisas que são nossas, completamente a salvo de tudo. Acho que a quantidade de coisas que estamos dispostos a deixar para trás, para nos salvarmos do medo, é inversamente proporcional à pessoa que somos. Há quem deixe tudo para trás e só se salve a si, outros há que salvam milhares enquanto fazem o mesmo por eles.

- As pessoas não podem ter medo da mudança

Tapava a cabeça com os lençóis e ficava ali, lembro-me que preferia não ver nada do que enfrentar aquele monstro que já imaginava à beira da minha cama. Hoje ainda sou igual quando prefiro não ver o talão do multibanco, sempre que levanto dinheiro. As pessoas nunca mudam realmente, escondem os mesmos medos, as mesmas inseguranças, disfarçam os mesmo defeitos, ocultam cicatrizes antigas, sorriem quando lhes apetece chorar, choram quando a solução é andar para a frente, usam máscaras que deixam cair quando o medo lhes bate à porta.

- Estamos a caminhar para o abismo!

E damos um passo em frente, de olhos fechados e os lençóis a defenderem-nos da queda, pode ser que se encham de ar e se transformem num balão que nos aterre suavemente no chão. Mas e se não houver chão? E se só houver espinhos nos quais nos vamos afundando, enquanto nos dilaceram o corpo e a alma até que fiquemos sem nada, sem alma nem corpo nem vestígio de nós.

- Vamos-nos juntar aos espanhóis!

De mãos abertas e sem nada para oferecer. A culpa é do Afonso esse malvado que batia na mãe. Saco de uma bandeira verde e vermelha e corro pela rua fora gritando,

- Portugal! Portugal! Portugal!

Não quero perder o meu País, estava previsto ir e voltar e não isto que se me avizinha, de não querer sequer voltar um dia, para uma vida calma, preocupado comigo e com os meus e que se lixe a corrupção, que se lixe a podridão, que já devia ser um homem calejado nessa altura. Qualquer dia partimos como antes partimos, em caravelas voadoras que nos levarão a novos mundos no mundo, a espreitar por entre os lençóis e os cortinados parados, só um vulto a cada piscar de olhos assustado.

- Já fomos donos de meio mundo e agora nem no nosso País mandamos...

Uma frase diz tanta coisa, que às vezes só se lhe pode seguir um silêncio escuro e pesado, de sabor amargo e som abafado. Tiramos os lençóis para o lado, pomos os pés no chão e vamos espreitar atrás dos cortinados entreabertos para a rua por onde eu acho que ele fugiu. Pode ser que aí, a gente perceba que os monstros só existem dentro de nós.