domingo, 30 de agosto de 2009

A Fuga

Correu o mais que conseguiu, sem nunca parar ou hesitar. Esta era a corrida da sua vida, e sentia que precisava de percorrer o caminho meticulosamente planeado, o mais rapidamente possível. Era agora livre! A sensação de liberdade -lo sentir forte e mais vigoroso, e deste modo sem olhar para trás acelerou o passo. Ia conseguir, ser livre e poder agir como bem quisesse, não era só um sonho, mas já uma realidade. A prisão que tinha durante anos suportado, e a qual lhe tinha condicionado sonhos e projectos estava cada vez mais longínqua, e a possibilidade de voltar a ser apanhado nas sua redes era uma hipótese muito remota.
Pela primeira vez olhou então para trás. Visualizou o caminho que percorrera desde a sua fuga, e lá ao fundo, apenas simbolizado por um ponto quase imperceptível, lá estava ele, o local que o prendera. Perante esta visão, e contrariamente ao que julgara, a alegria e toda a adrenalina que sentira até então, foi substituída por um mau estar geral. O seu corpo foi trespassado por uma dormência letal que o impediu de se virar e continuar o caminho. Os olhos pareciam querer fechar e um cansaço súbito impedia-o de manter um raciocínio lúcido. Apelou à razão que sempre o guiara até então, mas já não tinha controlo sobre si mesmo. De repente seu por si a desejar voltar. Tudo aquilo que lhe pareciam defeitos até então, passaram a ser vistos como virtudes únicas e capazes de lhe despertar paixão. Não compreendia o que sentia, e sentou-se sem saber o que fazer, pois afinal tudo o que tinha programado já não lhe parecia fazer sentido. Que sentido fazia fugir do único local que conhecia? Para onde ia? O que iria fazer? Não fazia ideia, e isso desmoronou toda a sua existência.
Afinal concluiu que a vida não deve ser programada, pois é muito simples para se poder reger por padrões pré-definidos ou imposições discriminatórias. Deste modo, decidiu permanecer sentado e esperar que algo em si lhe indicasse o caminho, pois ia esquecer o programado, iria para onde um cheiro, um toque, uma visão, ou um chamamento o levasse. E iria finalmente sem quaisquer tipo de receios...

O lugar certo...

Em Washington, à porta de uma estação de metro, um violinista tocou durante cerca de 45 minutos. Enquanto tocava sete pessoas pararam por instantes para ouvir as suas melodias, tendo no final do seu pequeno espectáculo conseguido angariar 32 dólares.
Nada mau, até podem alguns pensar, mas na realidade o homem que alí tinha estado a tocar em plena rua para quem estivesse disposto a perder um pouco do seu tempo para apreciar a música, era nada mais nada menos do que Joshua Bell, um dos maiores violinistas contemporâneos da actualidade. O violino avaliado em 3,5 milhões de dólares, foi o mesmo que Joshua utilizou dois dias antes, quando perante uma plateia completamente lotada da sala de concertos de Boston, deu mais um dos seus famosos concertos.
Esta experiência foi arquitectada e filmada pelo Washington Post, e no final pode-se colocar a seguinte pergunta: "será que as pessoas só estão atentas à beleza das coisas no momento e no lugar previamente marcado para tal?"
E vocês teriam parado ao ouvir tocar o violino de Joshua Bell?

sábado, 15 de agosto de 2009

A solidão interrompida

Estou sim? Boa tarde Sr. Joaquim Ventura!
Boa tarde!
O meu nome é Pedro Dias e estou a ligar da Vodafone. Está disponível neste momento para responder a duas perguntas sobre os nossos serviços?
Estou sim! Bem estou a precisar de falar com alguém.
Muito bem! Diga-me, está satisfeito com a cobertura da nossa rede?
Estou, mas às vezes quando ligo para o meu filho ninguém atende, ele diz sempre que não recebeu chamada nenhuma, mas aquilo parece mesmo estar a chamar. Às vezes penso que é ele que não me quer atender, mas ele jura que não. Será que me pode ajudar com isso?
Mas o senhor ouve o som de chamada?
Oiço sim senhor!
Isso é de facto estranho, mas o melhor nesse caso será contactar no final desta chamada o nosso serviço de apoio a clientes.
Eu acho que é ele que não quer falar comigo sabe? Ele já não me visita faz tempo e sempre que cá vem está com pressa para fazer alguma coisa, até ao domingo veja lá.
Pois, isso é desagradável. Mas diga-me, e em relação ao seu tarifário, está satisfeito com o que tem, ou gostaria de trocar?
Eu estou, isto é certinho e já sei com o que conto, no final do mês vou à loja e pago sempre o mesmo, até agora não houve surpresas desagradáveis, por isso estou satisfeito.
Muito bem!
Sabe? Eu quando a minha mulher era viva, ainda eu trabalhava, ligava-lhe muitas vezes, porque sentia a falta dela durante o dia. Gostava muito dela, ainda hoje gosto, era a minha melhor amiga, nunca me desiludiu aquela mulher, não é como os filhos, desses também gosto muito, lá vamos perdoando as coisas que eles nos fazem sentir, o desprezo e a frieza com que nos tratam, mas o senhor não percebe isso, pela voz parece ainda um jovem.
De facto sou, ainda nem trinta anos tenho.
Pois é! Então veja lá se trata bem os seus pais, se lhes dá o carinho que eles lhe deram, se é que deram, presumo que sim. Já estou a maçá-lo não é?
Não! De maneira nenhuma Sr. Joaquim.
Apenas lhe digo que gostei muito do seu telefonema e olhe, quando chegar a velho, quando já quase todos os seus amigos morreram, ou ainda por cá andam mas demasiado doentes para lhe fazerem companhia, não viva revoltado por os seus filhos não o visitarem todos os dias, ou todas as semanas, ou todos os meses, eles têm lá a vida deles e nós velhos, olhe, andamos aqui à espera que ela nos leve, é preciso é paciência.
Assim tentarei fazer Sr. Joaquim. Obrigado pelo conselho e um resto de boa tarde!
Boa tarde Sr. Pedro! Ligue mais vezes.
Com licença.
Faça favor.

domingo, 9 de agosto de 2009

Raul Solnado



Mais um que nos deixou. Lembro-me dele me fazer rir, desde que tenho memória, desde que me lembro de rir. Mais um que se deixou levar pela morte, mas que permanecerá vivo dentro de todos aqueles que ele fez chorar de rir. A sua morte não nos traz lágrimas, apenas um sorriso, porque lágrimas já ele me fez derramar muitas vezes, hoje apesar da sua morte, apenas guardo um sorriso que vem com a sua memória.
"Façam o favor de ser felizes!" era esta a sua frase, mas estas não eram apenas palavras, ditas da boca para fora, com Raul, vivo ou morto, somos de facto mais felizes.
Até amanhã Raul!