sábado, 17 de janeiro de 2015

Sejam felizes






À minha frente tenho uma foto de quando eu era criança. Está frio, mas lá fora os pássaros cantam uns para os outros debaixo do sol de inverno. Acabei de entrar no ano de 2015 e, diante de mim, tenho o ano mais desafiante e decisivo da minha vida. E ao dizer estes chavões, algo em mim se interroga e interpela, um ano que não é mais do que uma volta ao sol, a suspeita contagem tendo por base o nascimento de cristo e, o tempo, o tempo que não descansa, que por nada se deixa suster, o presente que já é passado, o futuro que ainda não nasceu presente e o insaciável passado, que se alimenta de segundos e horas e que cresce e cresce, até ao firmamento da imaginação. Mas que por agora, se resume à forma de um puto traquina a desafiar-me para jogar à bola.

Um ano inteiro pela frente. 365 rotações da terra a mais ou menos 30 km/s, com a consequência directa do meu ombro direito ficar mais baixo do que o esquerdo, sofrendo com isso a minha coluna. 

- Se há coisa que não conseguimos contrariar, é a rotação da terra.

Diz o meu osteopata de más circunstâncias, que é como quem diz que se há coisa que não conseguimos controlar, é o tempo. Tenho 35 anos e com isto, o meu passado há-de ser quase tão grande, como aquele que hoje ainda é futuro. Um futuro que toda a gente quer que seja presente em vez de ausente.

- Eu só quero ser feliz!

Diz-se com um sorriso cheio e uma mente vazia, imaginando o incansável sorriso no intervalo das gargalhadas, que deverão ser constantes e intensas em som e em ausência de pensamento. Sorrisos e mais sorrisos e nenhuma lágrima, nenhum momento de ódio ou de revolta, nem uma pinga de dor. Como se pensa enquanto nos rimos à gargalhada? O inevitável  desejo humano da felicidade está longe de ser apenas alegria vã e insipiente que facilmente se mascara de felicidade, mas também estupefacção, indignação, ciúme, inquietação, medo e até tristeza.  Só quem pede felicidade, sabendo que estará também a pedir tristeza, poderá experimentar a felicidade por inteiro. 

- Não penses mais nisso!

Tenho 35 anos e à minha frente tenho uma fotografia de quando eu era puto. Sorriso traquina a morder o lábio com uma bola amarela aos pés. Não tenho medo de nada para além de mim próprio e se não sorrio é porque estou a pensar.
- Nunca me escreveste nada filhote…

A minha mãe é a minha génese. O ser dentro do qual cresci até ser capaz de existir pelos próprios meios. Não te escrevo porque não compreendo o amor de mãe. Nem sei se é suposto os homens compreenderem o amor de mãe, ou se isso apenas é permitido a quem de facto é mãe, ou mulher pelo menos. O inexorável e inquebrantável amor. A minha mãe… A minha mãe pergunta-me o que me apetece comer e cozinha-o melhor do que ninguém, a minha mãe tem um sorriso que lhe enche a cara toda, a minha mãe tem uns olhos grandes e cheios de amor. A minha mãe tem cabelo preto como eu. A minha mãe dá-me coisas às escondidas do meu pai, dá-me esperança em troco de sossego, a minha mãe deixava a luz do meu quarto acesa para afastar os monstros. Um eterno acreditar e acreditar. Um amor tão grande que me oprime, um amor que não foge, que se assusta, mas que nunca larga a mão. A mão que me levou para o hospital em segurança, a mão enquanto o médico me torturava, a defender-me de castigos, a comprar-me tempo, a amparar-me as falhas e as agruras de adolescente mal resolvido. E não só a mão, mas um corpo inteiro dado às balas, para bem dos filhos queridos, uma abnegação que não conhece limites humanos - A eternidade. 

- Ficava tão triste se um de vocês emigrasse…

Mas estamos cá os dois e somos amigos, seremos sempre amigos, os melhores amigos um do outro. Eu sei que ele faz tudo por mim e ele sabe que eu faço tudo por ele. Que mais precisamos de saber para nos chamarmos irmãos? 

- Vou para a Alemanha!

O mundo de cada um de nós é um puzzle incompleto, uma constante experimentação que termina sem que nos possamos dizer completos. Tentamos encaixar peças rodando para um lado e para o outro o nosso puzzle suspenso no espaço. Frágil, mas suficientemente estável para que o possamos sentir como verdadeiro. Damos de caras com peças que vagueiam pelo ar. Desconheço se os corpos maiores atraem os mais pequenos, mas suponho que as leis da gravidade não se apliquem onde os corpos não têm massa. Rodamos para um lado e para o outro, encaixamos, mas assim que nos distraímos elas soltam-se e desaparecem. Às vezes algumas extremidades já mais consolidadas cedem, quando acrescentamos mais peças para um lado ou para o outro. Um equilíbrio frágil, que se transfigura com o passar dos anos. Um centro imutável, mas tudo à sua volta passível de mudança, perda e descoberta. E de repente uma peça central que decide partir. E depois outra e outra, sem que o nosso puzzle consiga esticar-se de um hemisfério ao outro.

- Em Setembro estou de volta…

As amizades nunca morrem mas os blogs sim. Este era para morrer aqui mas mudei de ideias e eu sou um puto traquina à beira mar com uma bola amarela aos pés. Não podia ser mais velho agora do que no início. Mordo o lábio e mantenho a muito esforço as mãos caídas. Não sou gajo de ficar quieto, seja lá por causa de uma fotografia ou por causa da preguiça. À minha frente tenho a areia da praia e uma vida inteira. 

- Tu és capaz de fazer tudo!

Dizes-me com a confiança de quem só pode ser mulher. Acho que os homens só crescem por causa das mulheres. 

Estou sentado no início de 2015. Tem estado frio, mas lá fora os pássaros nunca deixam de cantar. Escrever demora tanto tempo que devia dar direito a parar o tempo, que para  o puto à minha frente parou tinha ele 6 anos. Com o olhar, lembra-me em jeito de desafio que tenho pela frente o ano mais decisivo da minha vida. 

- Se não fores capaz és medricas!

Não tenho medo de nada. Olho em frente e avanço sem que nada atrás de mim me detenha. Dos monstros não há sinal, porque em cada canto escuro está um candeeiro cheio de esperança e de sonhos. Sigo os caminhos que eu quero, viro a direita, dobro a esquina à esquerda e subo as escadas que eu quiser subir. Sou tão feliz quando choro como infeliz quando sorrio, tenho tanto medo quando avanço, como coragem quando paro. Há peças que vão mas há peças que chegam e ficam.
Nada me derruba, tudo me acrescenta.
Chuto a bola amarela para a frente e de repente desapareço.

- Não me vês?

- Eu vou estar sempre aqui ao pé de ti.