À minha frente tenho uma foto de quando eu era criança. Está
frio, mas lá fora os pássaros cantam uns para os outros debaixo do sol de
inverno. Acabei de entrar no ano de 2015 e, diante de mim, tenho o ano mais
desafiante e decisivo da minha vida. E ao dizer estes chavões, algo em mim se
interroga e interpela, um ano que não é mais do que uma volta ao sol, a
suspeita contagem tendo por base o nascimento de cristo e, o tempo, o tempo que
não descansa, que por nada se deixa suster, o presente que já é passado, o
futuro que ainda não nasceu presente e o insaciável passado, que se alimenta de
segundos e horas e que cresce e cresce, até ao firmamento da imaginação. Mas que
por agora, se resume à forma de um puto traquina a desafiar-me para jogar à bola.
Um ano inteiro pela frente. 365 rotações da terra a mais ou
menos 30 km/s, com a consequência directa do meu ombro direito ficar mais baixo
do que o esquerdo, sofrendo com isso a minha coluna.
- Se há coisa que não conseguimos contrariar, é a rotação da
terra.
Diz o meu osteopata de más circunstâncias, que é como quem
diz que se há coisa que não conseguimos controlar, é o tempo. Tenho 35 anos e
com isto, o meu passado há-de ser quase tão grande, como aquele que hoje ainda
é futuro. Um futuro que toda a gente quer que seja presente em vez de ausente.
- Eu só quero ser feliz!
Diz-se com um sorriso cheio e uma mente vazia, imaginando o
incansável sorriso no intervalo das gargalhadas, que deverão ser constantes e
intensas em som e em ausência de pensamento. Sorrisos e mais sorrisos e nenhuma lágrima, nenhum momento de ódio ou de revolta, nem uma pinga de dor. Como se pensa enquanto nos rimos à gargalhada? O inevitável desejo humano da felicidade está longe de ser apenas alegria vã e
insipiente que facilmente se mascara de felicidade, mas também estupefacção, indignação,
ciúme, inquietação, medo e até tristeza.
Só quem pede felicidade, sabendo que estará também a pedir tristeza, poderá
experimentar a felicidade por inteiro.
- Não penses mais nisso!
Tenho 35 anos e à minha frente tenho uma fotografia de
quando eu era puto. Sorriso traquina a morder o lábio com uma bola amarela aos pés.
Não tenho medo de nada para além de mim próprio e se não sorrio é porque estou
a pensar.
- Nunca me escreveste nada filhote…
A minha mãe é a minha génese. O ser dentro do qual cresci até
ser capaz de existir pelos próprios meios. Não te escrevo porque não compreendo
o amor de mãe. Nem sei se é suposto os homens compreenderem o amor de mãe, ou
se isso apenas é permitido a quem de facto é mãe, ou mulher pelo menos. O
inexorável e inquebrantável amor. A minha mãe… A minha mãe pergunta-me o que me
apetece comer e cozinha-o melhor do que ninguém, a minha mãe tem um sorriso que
lhe enche a cara toda, a minha mãe tem uns olhos grandes e cheios de amor. A
minha mãe tem cabelo preto como eu. A minha mãe dá-me coisas às escondidas do
meu pai, dá-me esperança em troco de sossego, a minha mãe deixava a luz do meu
quarto acesa para afastar os monstros. Um eterno acreditar e acreditar. Um amor tão grande que me oprime, um amor que não foge, que se assusta, mas que
nunca larga a mão. A mão que me levou para o hospital em segurança, a mão enquanto
o médico me torturava, a defender-me de castigos, a comprar-me tempo, a
amparar-me as falhas e as agruras de adolescente mal resolvido. E não só a mão,
mas um corpo inteiro dado às balas, para bem dos filhos queridos, uma abnegação
que não conhece limites humanos - A eternidade.
- Ficava tão triste se um de vocês emigrasse…
Mas estamos cá os dois e somos amigos, seremos sempre
amigos, os melhores amigos um do outro. Eu sei que ele faz tudo por mim e ele
sabe que eu faço tudo por ele. Que mais precisamos de saber para nos chamarmos
irmãos?
- Vou para a Alemanha!
O mundo de cada um de nós é um puzzle incompleto, uma
constante experimentação que termina sem que nos possamos dizer completos. Tentamos encaixar peças rodando para um lado e para o outro o nosso puzzle suspenso no espaço. Frágil, mas suficientemente estável para que o possamos sentir como
verdadeiro. Damos de caras com peças que vagueiam pelo ar. Desconheço se os corpos
maiores atraem os mais pequenos, mas suponho que as leis da gravidade não se
apliquem onde os corpos não têm massa. Rodamos para um lado e para o outro, encaixamos,
mas assim que nos distraímos elas soltam-se e desaparecem. Às vezes algumas
extremidades já mais consolidadas cedem, quando acrescentamos mais peças para
um lado ou para o outro. Um equilíbrio frágil, que se transfigura com o passar
dos anos. Um centro imutável, mas tudo à sua volta passível de mudança, perda e
descoberta. E de repente uma peça central que decide partir. E depois outra e outra, sem que o nosso puzzle consiga esticar-se de um hemisfério ao outro.
- Em Setembro estou de volta…
As amizades nunca morrem mas os blogs sim. Este era para morrer aqui mas mudei de ideias e eu sou um puto traquina à beira mar com uma bola amarela aos pés. Não
podia ser mais velho agora do que no início. Mordo o lábio e mantenho a muito
esforço as mãos caídas. Não sou gajo de ficar quieto, seja lá por causa de uma
fotografia ou por causa da preguiça. À minha frente tenho a areia da praia e uma
vida inteira.
- Tu és capaz de fazer tudo!
Dizes-me com a confiança de quem só pode ser mulher. Acho
que os homens só crescem por causa das mulheres.
Estou sentado no início de 2015. Tem estado frio, mas lá
fora os pássaros nunca deixam de cantar. Escrever demora tanto tempo que devia
dar direito a parar o tempo, que para o puto à minha frente parou tinha ele 6
anos. Com o olhar, lembra-me em jeito de desafio que tenho pela frente o ano mais decisivo da minha vida.
- Se não fores capaz és medricas!
Não tenho medo de nada. Olho em frente e avanço sem que nada atrás de mim me detenha. Dos monstros não há sinal, porque em cada canto escuro está um candeeiro cheio de esperança e de sonhos. Sigo os caminhos que eu quero, viro a direita, dobro a esquina à esquerda e subo as escadas que eu quiser subir. Sou tão feliz quando choro como infeliz quando sorrio, tenho tanto medo quando avanço, como coragem quando paro. Há peças que vão mas há peças que chegam e ficam.
Nada me derruba, tudo me acrescenta.
Chuto a bola amarela para a frente e de repente desapareço.
- Não me vês?
- Eu vou estar sempre aqui ao pé de ti.
Nada me derruba, tudo me acrescenta.
Chuto a bola amarela para a frente e de repente desapareço.
- Não me vês?
- Eu vou estar sempre aqui ao pé de ti.