quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Outra vez


Andamos para aqui perdidos no escuro, sem que saibamos o caminho de volta ou o que nos espera no passo seguinte, desconfiados uns dos outros, à espera de apanhar uma mentira que desculpe isto, este sitio que ninguém quer e que nos ferve nas mãos calejadas de tantos anos no mar.
33 mineiros saem do escuro de um buraco no fundo da terra, vêm em gaiolas para cima, um a um de óculos escuros a enfrentarem sozinhos as luzes da ribalta, porque agora são estrelas e nós afinal vivemos num big brother ranhoso, de cinismo refinado e bem temperado.
De uma fotografia de um obituário manhoso de um jornal chileno a super estrelas mundiais, e há quem lhes peça conselhos e lições, enquanto outros apenas os querem ver num estádio qualquer ou num anúncio ao seu novo produto que se quer vender. 

- Viva o Chile!

Viva mas é Portugal, que parece que estamos velhos e cansados demais para que nos sobrem muitos mais anos neste arrastar penoso. De mão estendida, a falar portunhol e inglês de Albufeira, dizendo que sim a quem nos acena com um molhe de notas maior, de meias rotas e manta curta e estreita, salva-nos o tempo que ainda vai sendo ameno e amigo.

- Eu se fosse jovem saia já deste País!

Eu quando for velho quero ter um bocadinho de orgulho na minha terra, em vez de dizer estas coisas aos jovens, que eu prefiro que eles cá fiquem para cuidar de mim e dos outros como eu. Trocam-me as botas já rotas, arranjam-me um casaco quente, puxam-me as mantas para cima que agora já faz frio outra vez.
Acho que quero nascer outra vez e fazer tudo de novo.

- O tempo não volta atrás, o que fizemos feito está...

Dar os pimeiros passos outra vez e aprender a andar de bicicleta sem rodinhas de apoio, cair e descobrir outra vez que a dor passa mas as cicatrizes ficam, e ir perdendo o medo assim. Vestir uns calções e uma t-shirtt e sair para a rua para brincar com os amigos e inventar todos os jogos possíveis, construir os meus próprios brinquedos e conseguir que os outros os queiram também, sem invejas de olhares desdenhosos que isto dá para todos.

- O que nós devíamos era ter uma ideia para vender

Ou então arranjamos muitas para dar e oferecer que isso do dinheiro qualquer dia entra em desuso e depois como é? Perguntamos aos 33 mineiros que passaram de um obituário manhoso para a ribalta, o segredo de um esquema assim e pomos mãos à obra, mas todos que senão não funciona. Inventamos um novo astrolábio que nos oriente no espaço, descobrimos um planeta com uma terra como a nossa e construímos alguma coisa que nos leve até lá num piscar de olhos.

- Até me dava jeito um terreno ali em Marte!

Ficamos com todos os jovens que pudermos ficar e os mais velhos que façam uma plástica ou outra, para que pelo menos de aspecto possamos ser todos iguais, cheios de esperanças e sonhos, sem desilusões que nos façam pensar duas vezes, e em vez de viver no passado, fazer tudo sem olhar para trás.

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