sexta-feira, 18 de junho de 2010

A eternidade das palavras

Ainda hoje tinha passado pelo seu blog, ia lá espreitar quase todos os dias, à espera de novas palavras que me pudessem enriquecer, como o fizeram quase todas as que li dele. Nos últimos tempos nada de novo porém, apenas excertos de discursos antigos, de entrevistas já gastas e de frases passadas, nada de novo, tal como a morte que lhe levou o corpo, essa, com a idade da própria vida.
Eu sei que pessoas destas ficam eternamente gravadas nas suas palavras, impressas em páginas que de vazias e brancas passaram a sonhos e epopeias, a histórias que nós sozinhos nunca seríamos capazes de imaginar, mas de ora em diante, e é isso que me dói, não mais teremos a sua reacção a acontecimentos presentes, no entanto as suas palavras moldar-nos-ão para sempre só de as termos ouvido ou lido.
Morreu Saramago e tocam os sinos lá na igreja da aldeia da Azinhaga que o viu nascer. Porque há pessoas que quando falam nós ouvimos, que quando escrevem nós lemos depois, ou deveríamos todos ler, pessoas que nos preenchem sem que sequer as conheçamos. Já viram o valor que isso tem?
Morreu Saramago, mas a suas palavras continuam vivas até que se nos apague a memória e morramos nós também. Por esta hora ele já descobriu o que há para além da efemeridade da vida, pena não nos poder escrever um livro para contar como é depois de tudo isto, dificilmente alguém o contaria melhor.
Epopeias de passarolas voadoras, de amores singulares, de cegueiras generalizadas, de mortes interrompidas, de penínsulas a naufragar. Saramago não era só um escritor que contava histórias, mas sim alguém que despertava consciências pela contradição da ideia feita, um inconformado com olhar de criança curiosa, de língua afiada e pensamento próprio.
Saramago não é só nosso, é do mundo inteiro, mas eu vou guardá-lo sempre como um Português que apesar de exilado da estupidez, nos fez mesmo crescer três centímetros, que nunca desistiu de agitar as águas e despertar consciências adormecidas neste nosso País à beira mar plantado e que por isso, nunca desistiu de nós, Portugueses.

"O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever", disse ao receber o Prêmio Nobel, em 1998, citando o avô, analfabeto.

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