sexta-feira, 28 de maio de 2010

O caos

Estou para aqui dentro do café que me tem servido de refúgio, mas parece que ainda sinto na pele a brisa que sopra neste cabo onde parece que estou destinado a voltar.
Há lugares e pessoas que parecem destinadas a deparar-se no nosso caminho.

- O meu amigo para a semana apresenta-se em Sines.

E a minha cara sem saber o que dizer. O que eu não pagava para ver a minha cara naquele momento.
É como quem ouve outro dizer que de um momento para o outro só pode ver a namorada ao fim de semana, com as horas e os minutos contados. Cada momento sagrado, mas sem se conseguir ser feliz descansado.
Não consigo deixar de sofrer por antecipação. Na semana antes do jogo do titulo, a vista a tremer e uma crise de caspa, mas ao menos aí passou depois do jogo, mas agora não. Acho que foram poucos os momentos em que não me senti sozinho neste mundo, mas aqui, apesar da presença constante dos meus pais, sinto um vazio que dificilmente os fins-de-semana em Lisboa compensarão. Não consigo deixar de exagerar os sentimentos.

- Se calhar vou para Moçambique!

E parece que do outro lado,

- Como é que vais se estás preso aqui?

Não vejo corda, nem corrente, nem suporte que me fixe aqui, mas realmente sinto-me preso a qualquer coisa.
Vivo numa ditadura de palavras que vagueiam dentro de mim, num caos confinado às paredes do meu corpo. Quem me conhece sabe que de vez em quando,

- Desaparece-me daqui!

Quando afinal quero que fiques. Às vezes deixo sair o que quero prender e quem me conhece mesmo bem, sabe que às vezes prendo o que quero libertar.
E as palavras num ruído caótico dentro de mim sem me deixarem ouvir nada à minha volta.

- Estás a ouvir?

- Não, não estava aqui desculpa...

Tenho uma avó que é um dos maiores mistérios que conheço. Vive sozinha em si própria e só fala o estritamente necessário, às vezes um suspiro. Imagino que esteja a pensar no amor que a deixou demasiado cedo. Podia ter ficado azeda, revoltada com tamanha injustiça que a separou do homem da vida dela. Ainda eu me queixo com um exemplo destes na minha vida.

- Ainda sinto a tua falta. Não me sais da cabeça...

E depois vejo a minha avó e a coisa melhora. E um suspiro meu, que também tenho direito. Todos temos direito a um suspiro de vez em quando para expulsar o mal cá de dentro.

- A suspirar? O que é que se passa?

- Nada... Não se pode suspirar? Preferes que grite?

- Não. Suspira lá à vontade!

Que em forma de suspiro elas não saem daqui e a ditadura continua sem que ninguém note o caos que passeia por dentro de mim.

1 comentário:

Ana Gomes disse...

Muito bom!! (o texto) =)