quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Deixem-nos assim

Um dia conto-vos toda a verdade.
Até lá vou guardá-la comigo, escondida no meu casaco, debaixo da almofada, no porta-bagagem do carro, no meu pensamento, nos meus olhos sempre que me sinto a hesitar.
Nem me apetece falar da verdade, talvez por isso escreva, não quero saber disso, mintam-me à vontade que assim sou mais feliz. Deixem-me ser um leigo, desprovido de qualquer realismo sofrível, imune a qualquer putrefacto odor de mais uma dessas histórias. Guardo-a só para mim, porque não o fazem também vocês?
Deixem-nos assim como estamos, sem mais pormenores, sem mais histórias mal contadas, ou meio contadas, em mantas de retalhos que se revelam quase sempre piores do que a anterior de que tanto nos queixávamos.
Esqueçam de uma vez por todas que existimos que nós vamos tentar fazer o mesmo, eu, já o faço e não pretendo voltar atrás na minha decisão. Guardem essas coisas para vocês e contem-nas uns aos outros, como as crianças fazem em relação às namoradas que vão coleccionando em forma de fotografias num placard de cortiça na parede do quarto. Guardem as escutas, as censuras, as demissões, as nomeações, as sanções e deixem-nos viver na escuridão da ignorância, mais vale assim. A ignorância é felicidade, suponho que já terão ouvido esta, mas agora nem isso podemos ser que vocês não deixam, que nós não nos deixamos.
E eu aqui, sem saber em quem acreditar e já sem acreditar em ninguém, sem referências, sem exemplos a seguir, perdido no mar turbulento da minha mente, por minha conta e risco neste mundo de mentiras que são verdades, de verdades que não passam de um punhado de falsidades. Resta-me a mim e a amizade e o amor dos amigos e da família e, talvez uma ou outra alma caridosa, quem sabe um exemplo, uma referência de que tanto precisamos para seguir em frente sem que antes tenhamos que recuar drasticamente.

Sem comentários: