sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os imprevistos do amor

Confesso que é difícil lembrar-me de como eu era e no que pensava, antes de ter entrado naquela loja onde comprei os ténis verdes e azuis. Lembro-me de ter ido para casa com mais uma daquelas sensações de quem compra algo que ainda não tem a certeza se vai usar e até aposto que pensei que as coisas acontecem quando menos esperamos.
Lembro-me de me ter apaixonado à primeira vista pelo teu aspecto e de ter estranhado tudo o resto.

Contradições,
antevisões falhadas,
nuncas que passam a sempres.
E raramente as coisas são como eu prevejo que possam ser.

E vem-me à cabeça um vídeo viral que uma amiga chegada enviou para todo o grupo de amigos, acompanhada de uma mensagem lamechas, daquelas que nos enchem o peito de ar quente e de que gravei uma frase que me defende sempre que me deparo com certezas que passam a dúvidas ou a outras certezas diferentes, cinzentos que passam a um cor-de-rosa com borboletinhas coloridas que apagam o preto e branco de um desejo antigo, que se perdeu por entre um amor imprevisto de todas as cores do mundo

"Algumas das pessoas mais especiais que conheço, aos 40 ainda não sabem o que fazer da vida"

Numa auto-defesa constante de ataques inventados, como quem tira a mão sem a ter dado primeiro, como quem se julga divertir sem um único sorriso esboçar. A alma, o coração e uma razão desmiolada a estorvar, porque afinal queremos ser felizes sem arriscar, sem que nada façamos para o ser a não ser esperar.

- Tenho que te contar uma coisa.

E esperar que tudo desabe sem saber que já nada há para ruir, que somos apenas nós sozinhos neste mundo e que um dia partimos com arrependimentos de coisas que fizémos mal e de coisas que não fizémos sequer.
Sonhos que já não se querem sonhados, porque tantas vezes a realidade engana a ilusão de que a felicidade só existe nos filmes e abraço-te sempre com a sensação de que te vou perder um dia, porque conheço-me tão bem que acho que não mereço alguém assim.

- O que foi?

Estranhas o meu olhar triste quando te tenho nos meus braços. Acho que ainda ignoras que me recuso a dar-te como um dado adquirido, por achar que isso um dia me fará perder-te por não ser capaz de te ver com o fascínio com que te via nos primeiros dias da nossa paixão. Ou que me recuso a ser feliz por inteiro, só por achar que a melhor forma de crescer é com a dor e com o sofrimento, mas acho que até nisso me enganei. Ou que pura e simplesmente me quero convencer, que sofrendo a fingir de vez em quando, irá fazer com que me doa menos quando for a sério.
Dizes-me que nunca conheceste ninguém como eu e eu digo-te que não sabia que as pessoas como tu eram assim.

- Isso de almas gémeas é coisa que não existe!

Disse isto tantas vezes que me convenci que era verdade, mas hoje à noite quando estiver a tentar manter o fogo da lareira acesa, esqueço-me que todos os fogos precisam de ser mantidos com cuidado e quando te sentares numa almofada ali ao lado para te aqueceres e me disseres,

- És lindo!

Os pólos degelam enquanto o nosso fogo cresce, as florestas são devastadas para criarmos a nossa, a fome dos outros compensa a nossa fartura e a sociedade do eu não entra no nós que nós fizemos os dois. Talvez um dia tudo se perca, talvez um dia o fogo se apague, talvez o mundo deixe de girar sobre si próprio e o planeta se divida entre o frio extremo e o calor do inferno, talvez um dia eu queira o rosa e tenha o cinzento, talvez um dia as certezas nunca deixem de ser certezas e tudo se torne tão prevísivel que eu morro de tédio.


- Beija-me e não digas mais nada

No final ganho prémio do teu sorriso e dos teus olhos que brilham dentro dos meus. Nunca pensei que houvesse quem pudesse ser feliz só com um beijo e muito menos imaginava que eu também pudesse ser assim. Venho da guerra, bato num e bato noutro, desvio-me de uma bala com um reflexo inato, fujo a uma explosão em antecipação e no mesmo segundo olho para o lado e vejo-te a sorrir. E de repente estou debaixo de uma árvore antiga, no cimo de um monte verde e o céu azul deixa-se pintar por um sol de primavera, enquanto por cima de nós se ouvem as cantigas dos passarinhos. Quando leres isto, já sei, vais adorar e eu vou dizer,

- Está mais ou menos...

Abraças-me e dás-me um beijo e desta vez estamos numa praia paradísiaca. Acho que nunca viajei tanto com ninguém sem sair do mesmo sítio. Depois de tanta escrita fiquei na mesma, não me lembro do que sentia quando sai da loja com os ténis verdes e azuis... Será que a gente sente o amor antes de sabermos que ele é amor?








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