quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Um dia conto (continuação)

Mas depois um abraço não me chega que eu já sei e hei-de querer logo outro, ainda mais apertado, que ela, se me sente assim outra vez, cai em si e percebe que viver sem mim é estar a mentir a si própria.
O que vale a vida sem ilusões?

- Quando chegarmos tens que me distrair a governanta que ela não me pode ver com isto.

- Como é que tu queres que eu faça isso, se nunca lhe disse mais que um bom dia?

Raios que partam esta gente que vive estes dilemas comportamentais! Eu só quero a porra de um abraço!
É meia noite e a esta hora tudo parece voltar a nascer de novo, as horas que voltam ao zero, a noite que passa a madrugada, o sofá a cama improvisada e eu que continuo na mesma, não começo nem acabo, e lá vou seguindo o tempo que vejo passar por mim quando olho para trás.

- Eu só quero um abraço teu!

Sei que vai repor tudo outra vez, como a meia-noite que chega e põe as horas a zero, como o ano que acaba e começa outro que nos renova a esperança em quase tudo o que falhámos, ou adiámos para outro dia indefinido.
Um homem vive de esperanças e sonhos.

- Um dia vais perceber aquilo que eu valho!

E aí dispenso estes feitiços estúpidos, com quem me iludo nas minhas esperanças paranormais e lá vou reunindo umas forças para levar a vida para a frente. As coisas são mesmo assim, a gente vai juntando tanta coisa de que não nos queremos lembrar, que construímos outras para nos distraírem dos demónios que espreitam nos baús da nossa mente.

- Toca à campainha e distrai-me a mulher que eu vou entrar pelas traseiras!

- Só me metes em filmes pá!

Curtas e longas metragens, ensaios e trailers de películas apenas imaginadas e que depois quase nunca concretizamos. Não sei como serão as mulheres, mas os homens vivem dos filmes que fabricam enquanto sonham acordados, num trabalho de realização medíocre que termina quase sempre num orgasmo a dois, ou numa submissão por KO a alguém que nos quer fazer frente.

- Qualquer dia perco a cabeça!

E um dia pode ser que as palavras deixem de me sair assim, para saírem secas e gastas, como tudo o que me rodeia. O amor, sempre o amor, é como a primavera da vida, torna o verde mais fresco, o azul mais profundo, os contrastes em harmonia, pena é que não surja também todos os anos à data marcada e se nos escape por entre as mãos, prometendo tudo para depois quase nada cumprir.

“Vou casar no Verão, espero que possas estar presente... Beijos”

O bicho a contorcer-se no chão do quarto e a água a escorrer aos meus pés fingindo lágrimas de crocodilo, porque naquele momento não só te perdi a ti, como ao teu fantasma que me perseguia, e ali, finalmente, pude sentir-me tão livre e tão leve, que o vento levou-me pela janela e eu nunca mais me encontrei.

1 comentário:

[anna] disse...

nunca se tornarao nem secas nem gastas as palavras. as tuas.
nem se permita que fantasmas de curtas ou longas metragens enclausurem alguem para que dêem, um dia, o momento em que se possa sentir livre.
A
gostei.