quinta-feira, 2 de abril de 2015

Manoel de Oliveira




Podia dizer que há pessoas que nunca morrem, como digo sempre que alguém maior morre. Digo morre porque não gosto de suavizar as coisas. Partir não sei se partiu, sei que o corpo está cá e por aqui vai ficar quer na terra, quer em cinzas espalhadas na água ou no mar, ou enclausuradas num pote caríssimo numa casa caríssima. A alma não sei para onde foi, tão pouco sei se alma existe ou se não passa de infinitos impulsos eléctricos produzidos por um corpo que entretanto morre. Mas se a alma existe podemos pensar que se desfragmentou e talvez aí seja correcto dizer que ela partiu, ou que  pelo menos se ausentou por tempo indeterminado, porque tão pouco sabemos se a alma renasce com outro ser, ou se fica invisível entre nós. Morreu e com ele esfumou-se o seu presente e a sua memória. Ficam os filmes de que eu ainda não aprendi a gostar, mas o resto morre. Diz-se que fica a memória, mas tanto eu como o Manoel achamos a memória uma invenção. E é verdade que podemos estar errados, pelo menos eu errado no presente , porque ele já não pode estar errado no passado. Morreu, mas por enquanto ainda existe, nos filmes e na memória inventada ou não por cada um de nós, mas um dia morrerá outra vez quando deixar de existir em filme ou em qualquer memória de alguma pessoa viva. Eu nunca o vi, mas lembro-me dele a dançar de chapéu e bengala tal Fred Astaire de 100 anos e juro que ainda hoje me rio sempre que me lembro do neto confessar que não conseguia acompanhar o avô a conduzir em Lisboa. Mas eu ainda cá estou, ele também ainda cá está, mas eu ainda vivo o presente e invento memórias, ele já não vive nem inventa, mas deixou vários mundos inventados. Não sei como acabar isto, se eu fosse a morte era fácil, acabava de repente e pronto, mas não sou e então não sei. Se um dia me perguntarem como quero ser quando for velho, respondo que quero rir do presente e do passado, porque se quase nada vemos do presente, porque havemos de levar a sério o passado? Vão ver que um dia ainda havemos de descobrir que as pessoas que dizemos que partem, estiveram afinal sempre aqui entre nós, a ouvir-nos as memórias inventadas deles próprios e a sorrir envergonhadas.

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