terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Rambo


O Rambo de Ruivães bem podia ser o nosso zé povinho personificado, um símbolo do povo quando mais falta nos faz. Tem uma empresa a meias com o irmão, mesmo aqui em baixo da minha casa, onde vende os melhores frangos de Lisboa e as melhores imperiais da União Europeia e ali, toda a gente pertence à mesma família.

- Viva primo! Que é que vai ser?

De trás do balcão lança-me um aperto de mão e um sorriso de puto traquina, enquanto vira frangos de óculos na testa e camisa aberta, a mostrar o medalhão de ouro com a santa lá da terra, que o Rambo pode ser duro de roer, mas a fé faz falta a toda a gente. De ténis confortáveis, que aquilo são muitas horas de pé e aposto que ainda lhe junta umas meias de descanso com a frequência diária da boina branca que o irmão Nelinho usa, enquanto festeja cada café servido com troco dado e tudo.

- Missão cumprida! Religiosamente!

E aquilo parece-me uma blasfémia propositada, uma ironia sem ponta de piada, porque ali, naquela empresa de balcão de alumínio e janela para a avenida, nada é sagrado a não ser as brasas do frango e as imperiais bem tiradas. E o Rambo, sempre ele, de avental pela cintura e dentes arreganhados, porque afinal o sorriso é como outra coisa qualquer, se não lhe damos uso torna-se velho e cansado.

- Família!

E ergue os dedos num “V” de vitória bem acima da cabeça, porque o mundo não pode ser só das cores que nós vemos, nem nós podemos viver presos nas dimensões da nossa forma. Por isso ali a crise não entra e pagam-se rodadas como se fossem os homens mais ricos do bairro, de barriga encostada ao balcão e espuma branca no canto do bigode mal aparado, mas o rambo não, que um militar à séria não se dá a esses desleixos.

- Coitado… Apanhou a mulher com outro e ficou assim.

Um desgarrar de histórias infelizes que se choram naquele balcão, confortadas por um copo de vinho caseiro ou um cálice de medronho, que limpa a tristeza e devolve um sorriso às caras vazias de esperança e aos bigodes fechados e roídos pelo nervoso miudinho de uma falta de coragem a tempo inteiro. Porque na empresa do Nelinho e do Rambo, o sonho confunde-se com a realidade como no inicio do sono, e damos por nós a caminhar por outro mundo paralelo.

- No Vietname não havia dentistas!

Eu quando ali entro sou um antigo companheiro de guerra do Rambo e dou por mim a lembrar-me dos dois no meio do mato, de G3 na mão e faca presa nos dentes, enquanto desbravamos caminho por um pântano qualquer que nos esconde dos pequenos homens amarelos que nos querem matar. Falamos dos que salvámos e dos que matámos também e recordamos histórias de pequenas conquistas vietnamitas, em que ele, acaba sempre por dizer qualquer coisa que me faz rir sem conseguir dizer mais nada.

- São uma cambada de putas e xulos!

Eu dou-lhe razão e lembro-me dos dias maus em que me sacou um sorriso, dos segundos em que me tornou sonhos em realidade e saio dali com a certeza de tudo, pelo menos até ao virar da esquina, em que já duvido que tenha estado no Vietname com ele. Mas depois encontro à porta de casa a antiga glória do Benfica, que jogou com o Eusébio e mando à fava realidade e fico-me pelo surrealismo deste quarteirão da Afonso III, afinal que piada tem a vida se não sonharmos acordados de vez em quando?

2 comentários:

José Leal disse...

E eu felizmente já tive o privilégio de poder entrar naquele Mundo altenativo. Muda-nos e faz-nos perceber que por muito dura que a vida seja, ela está cheia de encantos... e rir é mesmo solução para grande parte dos problemas.

Anónimo disse...

Nem sei do que gosto mais se do conteúdo ou se da escrita...parabéns pelo blog :)
Marisa