sexta-feira, 11 de março de 2011

A luta



Trago presas a mim uma série de cordas que me servem de lastro, numa batalha constante, entre aquilo que me faz voar e aquilo que me faz sempre voltar a terra.
Sabes, acho que as pessoas são feitas de pedaços de coisas que nos acontecem.

- Vamos lá hoje?

Na ponta de cada corda, uma lata cheia das mais diferentes coisas, a família, os amigos, a ideia de uma vida cheia, de um amor ideal, a imagem que achamos que os outros têm de nós.
Li algures que cada pessoa são três pessoas diferentes, uma aos olhos dos outros, outra aos nossos e aquela que somos na realidade.

- O meu filho já tem a vidinha feita!

Casa comprada, carro novo, mulher e para breve um filho, tudo para pagar durante a vida. Sim, que cada vez se vive até mais tarde por isso há muito tempo para pagar. As latas arrastadas pelo chão, porque a chama não é tão forte assim para aquecer o ar do nosso balão. E então vivemos na nossa pequena capoeira, com asas mas sem saber como voar sobre as paredes da nossa vida.

- Hoje mascaraste-te de deusa foi?

Palavras que ficam por dizer, actos guardados e arrumados numa gaveta qualquer, e nós fechados na nossa bola de cristal, tão depressa transparente como opaca, para que possamos esconder só uma parte dos nossos medos, defeitos e contradições. A mim sempre me deixaram desconfiado as pessoas demasiado perfeitinhas.

- Vamos fazer uma manifestação pacífica!

Todos juntos, num chinfrim de latas pelo chão a fazer saber que estamos aqui e não somos parvos, que chova e faça frio à vontade, porque as nossas chamas não se apagam assim.
Acho que todos os jovens do mundo se deviam juntar, agora que temos um País que nos une a todos.

- Vamos marcar isto no facebook!

Qualquer dia temos mais gente que a China, mas sem armas, só um exército de palavras e imagens, e sem fronteiras que nos confinem a um espaço fechado. Havemos de conseguir fazer o que nunca foi feito, juntar o mundo inteiro em torno de um sitio só, e aí sim, alguma coisa poderá acontecer. Que se perdoem as dívidas virtuais, que se esqueçam as zangas antigas, porque nós ainda somos jovens e não queremos viver com estas cruzes todas a vida inteira. Corta-se a ponta da corda e já está! Voamos um bocadinho mais alto e vemos as coisas de outra maneira.

- E tu eras aquele miúdo mais bronzeado!

Mas já não somos miúdos sabes? Isso é o que nos chamam aqueles que não nos querem ouvir, mas a vida não nos deixa mais sermos crianças. É altura de pegar a vida pelos colarinhos e encostá-la à parede lá de casa.

- Vais à manifestação amanhã?

Não levo cartazes nem bandeiras, só uma folha A4 com umas palavras. Visto-me de escuro e vou com os meus sonhos todos para lá. E não me digam que não posso sonhar, porque foram vocês que me ensinaram que "sempre que o homem sonha, o mundo pula e avança" e desta vez, quem sabe, se não chegamos mesmo a voar.

- Se vocês mostrarem que têm força, os outros vão todos atrás!

Vestiste-te de preto e de certeza que nunca nada te ficou assim tão bem, não é que eu tenha sonhado, mas acordado vi-te num sonho feito por mim, em que me sorrias e dizias que sim. Mas as cordas às vezes parecem correntes sabes? Eu sei que sabes... Saltamos mas não saímos do chão, gritamos mas ninguém nos ouve, tentamos respirar e sufocamos, queremos ver melhor e ficamos cegos, afinal pode ser que seja preciso batermos no fundo, para finalmente não temermos mais nada.

1 comentário:

José Leal disse...

Um dos melhores posts! Gosto muito!